Por Augusto Domingos
A critica pode ser sem duvida, uma grande aliada do artista, é por meio dela que o mesmo pode entender seu processo de criação. A critica serve aos autores, como a ressonância da sua obra, em relação ao seu tempo, espaço, e sua relevância para a história.
O processo de formação do artista contemporâneo se dá por meio da afirmação da sua originalidade, este processo está crucialmente implicado com a necessidade que o mesmo tem de entender como se estabelece, o diálogo entre sua obra e o contexto (o cotidiano), qual é o impacto que a mesma produz na comunidade? Como o meio percebe o seu processo criativo? Qual a relevância do seu trabalho para a história?
A estas perguntas a crítica vai procurar responder por meio do olhar treinado do critico de arte, que por sua vez deve ser imparcial, não pode limitar-se a um olhar apenas esteticista, pois o que importa, é o diálogo do artista com seu tempo, esta questão está ligada a uma cadeia de implicações, de caráter político, filosófico, sociológico e cultural, assim, por tanto, uma critica de arte, pode ser também uma abordagem antropológica, desta forma, a crítica de arte não pode pretender estabelecer regras de criação, ou mesmo de tendências,pois uma critica em arte pode ser também uma teoria sobre a arte, logo é também uma teoria sobre a cultura, de modo que o olhar do crítico, pode também vir a ser, uma descrição etnográfica.
Marx Weber, afirma que o homem é amarrado a teias de significados criados por ele mesmo, que as teceu. Assim vejo a cultura como sendo estas teias, sua análise por tanto, não é uma ciência experimental que busca leis, mas como uma ciência interpretativa, que procura significados.(GEERTZ,1978:15).
Ao crítico compete articulação da teia interdisciplinar, convergente paradoxalmente entre subjetividade e objetividade, dando inicio a um diálogo interativo entre a obra de arte e seu contexto. Por meio da interação dialética entre os atores da cena, dar-se-á origem a um fluxo dinâmico entre idéia e tempo. Só assim, a crítica pode ser entendida como uma abordagem rigorosa e relevante sobre a obra do artista e seu valor para aquele contexto.
Trata-se de uma questão de alteridade ou seja o importante é a observação do outro, é dialogar com o outro, este olhar exige que nos coloquemos no lugar do outro, saindo de minha subjetividade para a subjetividade do outro. Um olhar dialético, que parte de um dialogo vertical, e vai em busca daquilo que está por traz do fenômeno.
Assim por meio de uma compreensão epistemológica, podemos falar da evolução dos termos, crítico, crítica e obra de arte, nesta abordagem, o crítico se transforma em teórico, e sua crítica, em teoria, abandonando a posição de mero comentarista estético para debruçar-se sobre novos paradigmas buscando uma teoria sobre a arte e o artista do seu tempo e isso, por meio de uma descrição densa, do conjunto significativo que integra o universo simbólico e a comunidade onde a obra de arte é produzida.
A descrição densa é um olhar microscópico, onde o antropólogo se confronta com as mesmas grandes realidades que os outros cientistas sociais (poder, mudanças, opressão), mas ele as confronta em um contexto muito obscuro e diminuto, para retirar destes o essencial. Assim perde-se de vista o ideal iluminista de Lévi-Strauss, pois não é mais possível encontrar a unidade psíquica do pensamento, é preciso olhar as situações concretas vejamos, a capacidade de falar é inata, mas, a capacidade de falar um idioma é uma capacidade especifica é cultural (GEERTZ,1978).
Assim o crítico torna-se num ator social relevante para o entendimento entre comunidade, contexto e obra de arte.
Uma teoria sobre as artes pode se dar; por meio de uma abordagem distanciada onde o teórico desenvolve uma constatação superficial da realidade. Mas também, pode se desenvolver por meio de um olhar dialético onde a praxe é o vetor de um diálogo dinâmico aberto e plural com os atores da cena, desta forma, a teoria torna-se uma qualidade que busca compreender não só fatos, mas principalmente aquilo que está por traz dos fatos.
O teórico distanciado do seu objeto de estudo, transita no terreno perigoso da superficialidade dos acontecimentos. Pois uma teoria é uma hipótese relevante mais nunca uma verdade absoluta. Segundo Popper, uma hipótese corroborada é uma hipótese aceita provisoriamente pela comunidade científica, mas cujo destino natural é ser um dia, desmembrada pela superveniência de novos fatos, as teorias mais válidas nunca são teorias verdadeiras, mas apenas teorias que ainda não são falsas.
Assim uma teoria de arte só se sustenta se for por meio de uma interação onde o objetivo não seja a normatização de padrões e critérios teóricos para determinar o fazer Artístico, e sim, compreender os fatores que determinam o fenômeno que é este fazer, esta compreensão só se dará por meio da articulação entre contradição e confluência.
A arte na cultura...
Assim a arte se torna um sistema próprio da cultura, um bem geral, um bem público, pois é o resultado de um conjunto simbólico particular, é um fenômeno cultural, e esta cultura é produzida em uma realidade particular, por meio de um sistema geral de formas e símbolos.
Segundo Geertz,1997, a arte pode e é compreendida pelos homens à medida que todos participam de alguma forma do sistema simbólico simplesmente definido como cultura (GEERTZ, 1997). A arte não pode ser entendida somente fazendo referência aos termos técnicos que o Ocidente cunhou e tornou restrito a determinadas classes e a grupos de especialistas.
Ainda Gerrtz, a despeito dos inúmeros especialistas, técnicos e críticos que se valem de linguagens herméticas nos discursos sobre a arte, a maior parte dos homens, em diferentes culturas, “se congregam ao redor da arte para conectar suas energias específicas à dinâmica geral das experiências simbólicas que chamamos de cultura”.
Assim a teoria sobre arte, pode ser profundamente comprometida, se a mesma busca torna-se no juízo de valor sobre a qualidade e relevância das multiformas artísticas, esta é uma postura intervencionista, que se antagoniza com a idéia de pluralidade e diversidade. Desta forma a teoria caminha para o cientificismo academicista.
Impondo uma pedagogia fortemente sistemática, hierarquizada e ortodoxa, que conflui para o exclusivismo excludente, onde se perde o foco da observação dos fenômenos que geram cultura na comunidade, e se torna num dirigismo teórico onde o teórico se sobrepõe aos acontecimentos.
Guerrtz afirma que o sistema Arte é uma seção do sistema cultural, de modo que uma teoria da arte é ao mesmo tempo uma teoria da cultura e não um empreendimento autônomo, este sistema particular que chamamos de Arte, só é possível por meio da sua participação no sistema geral de formas.
Então quando o teórico se torna um dirigista, estamos diante de uma situação perigosa, não só para as artes, mas para qualquer campo do fazer humano, pois trata-se de um olhar restrito, onde de uma forma muito sutil a questão da sensibilidade passa a ser vista como uma dádiva divina, legada apenas a parte mas preparada da sociedade, os eruditos.
Assim podemos concluir que caminhamos para um paradoxo perigoso, existe uma arte nobre, desenvolvida pelos eruditos e ao mesmo tempo existe uma arte decadente relacionada às minorias políticas; teremos consequentemente dois grupos artísticos: aquele que se enquadra ao chamado padrão de qualidade erudito ou acadêmico, e aquele que não satisfaz o referido padrão, pois as forças que o produzem não são possuidoras da sofisticação geradora das formas eleitas pelo crítico.
Assim estamos diante de uma visão ortodoxa e exclusivista da boa obra de arte, pois esse olhar só pode ser alcançado pela “lupa” do intelectual, este por sua vez vai subverter o público ao privado, para restringir ainda mais o acesso aos meios de produção, para que estes sirvam apenas às necessidades desta elite intelectual.
Ainda segundo Geertz, mesmo a despeito do significado cultural atribuído a arte, ela é um acontecimento local, mesmo que as qualidades intrínsecas que transformam a força emocional em “coisa concreta” possam ser universais. Entender a arte significa entender a cultura de um povo ou grupo, assim como entender os costumes, hábitos, crenças, valores e instituições de um povo, implica em entender a arte, como um sistema de signos e símbolos. A arte enfatizamos, não é autônoma. Uma teoria da arte é uma teoria da cultura, logo uma teoria da arte se transforma em uma teoria da cultura.
Por fim podemos concluir que uma crítica sobre a dança é também uma teoria sobre arte, logo é uma teoria sobre a cultura, de modo que um olhar puramente estético, corre o risco de se tornar um olhar exclusivista e maniqueísta, nos levando para o terreno perigoso do teoricismo conceitual, onde o artista rompe com sua irreverência sensorial para se tornar refém das limitações de uma arte que não é feita com as coisas da emoção, mas sim com a chamada racionalidade cientifica.... será este o papel da Arte?
Referências bibliográficas
ADORNO, Theodor, HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o Iluminismo como mistificação de massa. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
BOURCIER, Paul. Histoire de la danse en occident. Paris: Seuil, 1994. v. 1 e 2.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais.Bauru: Edusc, 1999.
GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997.
______. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo: Perspectiva, 2003.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
JEUDY, Henri-Pierre. O corpo como objeto de arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
LABAN, Rudolf. Dança educativa moderna. São Paulo : Ícone, 1990.
LEVY-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 1989.
MARX, Karl. A mercadoria. In: Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociedade. Marialice Mencarini Foracchi, José de Souza Martins (Orgs.). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978. p.53-87.
MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: (_____). Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974a. v. II. p. 209-234.
_____. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: (_____). Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974b. v. II. p. 37-184.
ROUBINE, Jean Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro : Zahar, 1998.
SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira. Corpo, comunicação e cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.
VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
VERNANT, Jean Paul, NAQUET, Pierre Vidal. Trabalho e escravidão na Grécia antiga. Campinas: Papirus,1989.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s/d.
Nenhum comentário:
Postar um comentário